Machete «cubano» 5966 sexta-feira, 8 de janeiro de 2021 – Posted in: Arqueologia – Tags: , , ,

Tradução portuguesa por Jéssica Gomes, da Velha Guardia Marcial.

O presente artigo insere-se numa série intitulada «Espadas modernas do Museo Arqueolóxico de Ourense», que consiste em várias fichas técnicas pertencentes ao acervo de armas do Museu Arqueológico de Ourense (Galiza). As fichas foram documentadas por Juan Diego Conde Eguileta e por Santiago Vilar Labarta, que estudaram, além do contexto histórico e valor arqueológico das mesmas, as características esgrimísticas das espadas. Dada a variedade e singularidade de algumas das peças documentadas, acreditamos que podem ser de interesse para a comunidade das HEMA. Podem ser consultados outros artigos da mesma série aqui.

O Museu Arqueológico de Ourense dispõe no seu espólio uma vasta quantidade de peças adquiridas pela Comissão Provincial de Monumentos Históricos e Artísticos de Ourense. A comissão foi fundada a 8 de Agosto de 1844, com a função de reunir e preservar o património artístico da província. Existem registos sobre o trabalho da comissão apenas a partir de março de 1898, data em que se inicia a publicação bimensal de um boletim, nas quais são resumidas as atividades desenvolvidas. As publicações do referido boletim continuam até ao ano de 1960.

Entre as múltiplas peças adquiridas pela Comissão de Monumentos ao longo do território da província de Ourense, existem dez espadas de época moderna. Entre estas peças, a mais antiga pode ser datada como sendo de final do século XVII aproximadamente, e a mais recente como do século XX. Pudemos usufruir do privilégio de poder aceder a estas espadas com o fim de poder estudar de um ponto de vista tanto histórico como esgrimístico. Para se poder levar a cabo este estudo, foi elaborado um modelo de coleção de dados que permitisse registar as dimensões das peças da forma mais aprofundada possível. Os curadores do museu permitiram inclusivamente o manejo destas, de forma a ampliar a perceção quanto à sua natureza e funcionalidade.

Neste artigo falaremos de uma das peças de época mais tardia da coleção, um machete do exército espanhol ultramarino, cujo número de catálogo é 5966. Contudo, antes de iniciar a análise da peça, é necessário explicitar de que tipo de arma estamos a falar.

O machete é uma ferramenta de uso quotidiano de trabalho, em regiões de mato selvagem como as de Cuba e Antilhas. A sua introdução como parte do equipamento das tropas de guarnição é anterior a 1868, ano de início do movimento de Independência Cubana.

Os machetes “cubanos”, até à sua estandardização no último quarto de século XIX, variam muito em termos de morfologia de guarda, pelo que não é um elemento muito útil na sua classificação. Apresentamos em seguida uma enumeração de distintos tipos de punho e guardas encontrados neste tipo de machetes, com o fim de ilustrar a larga variedade dos mesmos.

Punho (Pega):

  • Em placas de madeira, geralmente esculpidos em padrões quadrangulares
  • Em placas de resina
  • Em placas/capas de pasta
  • Em chifre
  • Em latão

Em termos de formato do punho, existe uma grande variedade, sendo algumas até ergonómicas (com nichos de encaixe para os dedos) em alguns exemplos.

A maça (ou pomo) pode ser inexistente em alguns casos, sendo um continuidade do punho em si, ou então com forma específica de cabeça de animal (usualmente de águia, de leão ou de lobo)

Exemplo de machete cubano com punho de madeira

Guarda-mão:

  • Sem guarda-mão: a lâmina sai diretamente do punho
  • Virotes (quadrões) em forma de “S”
  • Guarda formada por uma concha, virotes e guarda-mão
  • Guarda de taça, com guarda-mão elaborados a partir de uma peça única em metal (similar à de um sabre de esgrima).
  • Guarda de sabre.

Dada a variedade, a melhor forma de classificar este tipo de arma será pela sua lâmina. De acordo com a sua morfologia, podemos catalogar os machetes em dois tipos:

  • Primeiro tipo ou “de Guanabacoa”: de lâmina estreita, reta, com espessura e comprimento médio, e com sulcos no segundo terço. O nome refere-se ao local geográfico principal de construção, a povoação de Guanabacoa, perto da capital.
  • Segundo tipo: de lâmina mais larga que a anterior, reta, menos espessa e sem sulcos. Neste tipo de machete, que era de uso generalizado durante a Guerra dos Dez Anos (1868- 1878), abundam as lâminas de fabrico alemãs e dos estados unidos que possuem inscrições em Castelhano.

Uma vez determinado o tipo de arma em questão, iremos revisar a peça existente no espólio do Museu Arqueológico de Ourense. Para esse fim foi criada uma ficha-modelo de recolha de dados, na qual se pode observar as características da espada assim como das variadas peças que a compõem. Esperamos que esta informação possa ser útil para o investigador assim como ao praticante de HEMA, dado que contribui com detalhes adicionais sobre o porte e aspetos da espada em relação ao seu manejo.

O machete «cubano» 5966 do Museu Arqueológico de Ourense

ESPADA

  • Tipo: Machete “cubano”
  • Código: 5966
  • Comprimento total: 78.6 cm
  • Peso: 769 gr
  • Ponto de equilíbrio: 7.7 cm
  • Marca de ferreiro: SOLINGEN 524/ Gravura que parece representar a cabeça de um tigre. / PRIM UALITAT
  • Tipo de guarda: em cruz/ com quartões.
  • Descrição: machete de um oficial do exército Espanhol ultramarino.

LÂMINA

  • Número de planos: fio único. Sulcos: não. Comprimento: 62.7 cm
  • Largura na base: 3.2 cm Largura no meio: 3.3 cm Largura na ponta: 3.2 cm
  • Espessura na base: 0.3 cm Espessura no meio: 0.25 cm
  • Espessura na ponta: 0.2 cm
  • Espigão: coberto pela guarda e pelo punho.
  • União como a maça: o espigão encaixa dentro da peça que forma o punho e a maça.
  • Descrição: lâmina reta, de fio único com corte diagonal, crescendo do fio em direção às costas da lâmina, que forma a ponta.

GUARDA/ EMPUNHADURA

  • Tipo: virotes achatados em forma de “S”.
  • Material: ferro
  • Marca de ferreiro: não
  • Raio: —
  • Comprimento dos virotes: 12.5 cm
  • Diâmetro dos virotes: —
  • Detalhes dos virotes: engrossamento em direção à ponta.
  • Descrição: virotes em “S”. O virote longo (correspondente ao fio) curva em direção ao punho, enquanto o curto (das costas da lâmina) curva em direção à lâmina.

PUNHO

  • Comprimento: 11 cm
  • Largura junto à guarda: 2.6 cm
  • Largura no meio: 3.1cm
  • Largura junto à maça: 3.3 cm
  • Material: latão dourado com placas de osso.
  • Descrição: corpo em latão dourado na qual as placas de osso são aparafusadas. O punho alarga em direção à maça e a sua forma é levemente anatómica. É consideravelmente pesada.

MAÇA/ POMO

  • Forma: cabeça de leão.
  • Comprimento: 4.1 cm
  • Perímetro: 4.6 cm
  • Descrição: cabeça de leão a rugir com olhos vermelhos feitos de vidro (um está em falta).

Passaremos em seguida ao parecer sobre a informação reunida, de forma a facilitar a sua interpretação e permitir aos nossos leitores uma ideia mais aproximada possível (com as limitações da palavra escrita) sobre as características da peça.

Como se pode observar na ficha de dados, trata-se de uma espada de médio porte e leve, com um ponto de equilíbrio perto da guarda. No entanto, quando manejada, é bastante pesada na mão. Devendo-se à maior concentração de massa da espada no seu punho. A combinação destas duas particularidades torna-a numa espada ágil e manejável, embora não muito apropriada para demasiado contacto entre lâminas. Dadas as suas características, cumpre bem a função combinada de arma de guerra assim como ferramenta de desbaste na selva.

A morfologia da lâmina, plana e de seção muito delgada, converte-a numa arma proeminentemente de corte. Por outro lado, o seu ponto de equilíbrio, não muito longe da mão, embora a torne mais manejável, não contribui muito para a capacidade de corte.

Esta arma é, na minha opinião, uma arma de capacidade aceitável de corte, apesar de poder apresentar maior dificuldade no caso de vestes mais espessas como no caso de roupa para estação mais fria ou capote de campanha (coisas que, nessas latitudes e clima não serão tão comuns), ou casaco. É, neste sentido, uma ferramenta bem adaptada ao ambiente em que era utilizada.

A guarda, com os seus virotes planos e em forma de “S”, oferecem uma proteção aceitável para a mão sem ser demasiado grosseira. A forma do punho não é particularmente confortável e o seu peso excessivo faz-se sentir. Por esta razão, e em conjunto com os materiais que compõe a sua ornamentação, parecem indicar que se poderá tratar de uma arma de oficial de guerra, desenhado para ostentar estatuto militar em virtude de ser utilizado em combate pesado.

As características da lâmina, assim como das suas marcas de fabricação (que incluem numeração), parecem indicar de que se trata do tipo de machete modelo 1891 para a infantaria do exército cubano, declarado como de uso regulado em 1892 (R.O de 9 de Janeiro), montada com guarda personalizada para um oficial.

Não podemos precisar uma data exata para a peça, dado que não existe um registo documental da sua entrada no museu. De modo a obter uma ideia aproximada de qual seria a época em que foi utilizada, temos de nos basear numa série de informações diretamente relacionadas com a peça:

  1. Entre 1868 e 1878 o uso de machetes com lâminas de fabricação americana e alemã, com inscrições em espanhol, foi generalizado de forma extensiva entre oficiais, que as adquiriram a título particular.
  2. A entrada desta peça na coleção do museu é anterior a 1898 (data de início das publicações dos boletins da Comissão de monumentos, nas quais esta peça não consta).

Com estes dados, que nos permitem situar a peça na segunda metade do século XIX, podemos estimar que esta arma terá participado em qualquer das fases da Guerra dos 10 anos – Revolução Cubana prévias ao conflito de 1898 com os Estados Unidos.

Para identificação das origens do machete, assim como diferentes referências ilustrativas dos tipos de guardas e punhos, utilizámos as seguintes fontes:

PÁGINAS ELETRÓNICAS:

BIBLIOGRAFIA:

  • B. Barceló Rubí. Armamento Portátil Español 1764-1939. ISBN: 84-7140-138-X.