Brevíssima história da Verdadeira Destreza em Portugal quinta-feira, 5 de maio de 2016 – Posted in: Destreza Comum, Verdadeira Destreza – Tags: , , , , , , ,

«Brevíssima história da Verdadeira Destreza em Portugal» por
Manuel Valle Ortiz, Denís Fernández Cabrera
Santiago de Compostela: AGEA Editora, 2016.

«Destreza» significa literalmente «habilidade» ou «perícia», tanto em espanhol como em português. Para o contexto que estamos a estudar também significaria especificamente «a habilidade da espada», e «destro» ou «dextro» («uma pessoa habilidosa») seria equivalente ao nosso termo contemporâneo «esgrimista». Em contraste, o termo esgrima tinha na altura conotações muito negativas.

godinho-capa-webNotoriamente, na Península Ibérica entre os séculos XVII – XVIII a escola dominante —que favorecia uma abordagem racionalista, construtivista, usando rigorosamente a lógica formal e a geometria para construir a sua arquitectura esgrimistica— era chamada de Verdadeira Destreza e Ciência das Armas, ou simplesmente Verdadeira Destreza. Em oposição, os esgrimistas a não ouvir as instruções e mandatos que os mestres da Verdadeira Destreza ensinavam foram ditos de Destros Vulgares ou Comuns. Estes esgrimistas vulgares eram, pelo menos parcialmente, descendentes de tradição(es) anterior(es) foram apagadas pela Verdadeira Destreza promovida oficialmente desde a coroa castelhana. Os tratados conhecidos de Destreza Vulgar (Pedro de la Torre, Francisco Román, etc) que uma vez existiram perderam-se, com a notável exceção da Arte de Esgrima de Godinho (recentemente publicada em edição crítica pela AGEA Editora).

Esse sistema da Verdadeira Destreza fora criado no final do século XVI pelo sevilhano Jerónimo Sánchez de Carranza, que em seu livro Filosofía de las armas y de su Destreza estabelece um conjunto de princípios que vão ser incorporados em várias formas em muitos dos tratados de esgrima que na Península Ibérica serão escritos até o século XIX.

O próprio Jerónimo Sánchez de Carranza teve relação com Portugal, participando em 1582 no processo de anexação de Portugal à coroa imperial de Filipe de Habsburgo (o que seria Filipe I de Portugal) na campanha Algarve como capitão general de cavalaria sob o comando do duque de Medina Sidonia. Recebeu uma Comenda da Ordem de Cristo, utilizando desde então o título de comendador. Há também várias testemunhas, não confirmadas, que o mencionam como mestre de esgrima do rei Dom Sebastião.

Em qualquer caso em Portugal, como em outros reinos peninsulares, havia um sistema de concessão de títulos de Mestre de Esgrima através de um cargo público: o Mestre Maior, nomeado pelo Rei. No final do século XVI e inícios do XVII a matéria em vigor para os exames de Mestre, se tomarmos referência a Arte de Esgrima (1599) de Godinho, parece estar mais perto da esgrima comum.

Sabemos da existência de várias obras agrupadas no Manuscrito de Coimbra (último terço do S.XVII, editado como Destreza das Armas na nossa coleção clássica) a tratar a Verdadeira Destreza, incluindo Las Cien Conclusiones (originalmente escrita em 1608) e o Modo Fácil y Nuevo (1625), ambos de Pacheco, e o Método de enseñanza de Maestros (1639), de Díaz de Viedma —traduzidas ao português e atribuídas a Luis Seixas da Fonseca, sem mencionar os seus verdadeiros autores.

oplosophia-capa-webO primeiro texto original Português que conhecemos que pertence, sem dúvida, à Verdadeira Destreza é o Oplosophia de Diogo Gomes de Figueiredo, escrito em 1628 mas nunca publicado. Este trabalho mostra uma profunda influência dos ensinamentos de Carranza, em contraste com a teoria e prática própria dos seguidores de Pacheco.

O Tratado das Lições da Espada Preta de Thomas Luis (1685) contém vários materiais que utilizam a terminologia da Verdadeira Destreza, mas em geral é bastante eclético quanto à técnica. Também acrescenta algumas instruções acerca do comportamento para estudantes e mestres nas salas de armas, usos e costumes, e alguma anedota.

marte-capa-webNo final do século XVII ou início do século XVIII podemos datar um manuscrito conhecido como Lições de Marte que não tem data ou autor. O conteúdo é essencialmente um comentário muito claro e de fácil leitura da Nueva Ciencia de Pacheco (1672, obra póstuma).

manuescrito-capaEncadernado no mesmo volume que as Lições de Marte acha-se o Manuscrito da Espada, que datamos aproximadamente em 1676. Trata-se duma compilação de 64 tretas ou «feridas» descritas com as suas respetivas contra-técnicas. Presenta una amalgama heterodoxa de Verdadeira Destreza e recursos próprios da esgrima comum ou vulgar.

Outro trabalho que também pertence à Verdadeira Destreza é o manuscrito de 1768 intitulado Compendio dos Fundamentos da Verdadeira Destreza, atribuído a José de Barros Paiva e Morais Pona. Trata-se na realidade de uma tradução do Compendio de Ettenhard (1675).

Finalmente, já em 1774, na Espada Firme de Martin Firme misturam-se novos conceitos chegados da esgrima francesa, embora a terminologia e a base da Verdadeira Destreza são reconhecíveis.

É nos trabalhos publicados no século XIX que desaparece finalmente todo o vestígio e memória da Verdadeira Destreza.

Até hoje.